sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

[ESTUDO] Comunidade - Zygmunt Bauman


Bauman é, em alguns momentos, ácido em sua narrativa coberta de referências a pensadores, sociólogos e cientistas, tudo em prol de justificar seu ilustre pensamento.

O mito de Tântalo dá como lição que você só pode continuar feliz se mantiver-se alienado, ignorando a origem das coisas, sem tentar tomá-las em suas próprias mãos. Esse é o link com o "Comunidade". Se a comunidade passa a refletir, sugerir, questionar a si mesma, reiterar suas qualidades exaltando-as com lirismo exacerbado, perde imediatamente sua inocência. Perdida a inocência, nunca mais a comunidade vai desfrutar das "dádivas" que só eram permitidas sentir em seu estado.
Em suma, a era contemporânea, que busca a segurança em comunidade, está condenada à agonia de Tântalo, deixa escapar seu objetivo quando este lhe parece próximo às mãos.

A guerra contra a comunidade começou com a Revolução Industrial, quando indivíduos foram tirados de seus antigos hábitos e costumes para serem espremidos numa nova e rígida rotina no chão da fábrica. Os homens, com sua individualidade, foram transformados em massa trabalhadora.
Como passaram a produzir pela produção, não sentiam valor no trabalho que faziam e, para que nunca renunciassem ao trabalho, havia sempre pronta uma fiscalização pronta para brandir seu chicote se assim fosse preciso.
Aos poucos, esse sistema foi sendo substituído. Como o poder moderno consiste na capacidade de gerenciar pessoas, as forças que prendiam os trabalhadores nas empresas ficaram mais frágeis, pois, dada a incerteza acerca do próximo passo dos governantes, os governantes teriam pouca ou nenhuma chance de seguir novos planos, muito menos de se juntarem. O capitalismo promove a competição, tirando assim o caráter de união dos trabalhadores: quem trabalha mais, trabalha melhor, então ganha melhor. Neste caso, a sensação de "não há alternativa" foi substituída pela corrida rumo ao melhor, o que fez a obediência andar por conta própria.

A globalização tira ainda mais o sentido físico de comunidade das pessoas. Na luta pela sobrevivência, em que tudo e todos são instáveis, a probabilidade de existir um grupo de pessoas com uma biografia em comum durante períodos consideráveis ficam cada vez mais remotas. Uma massa de pessoas inseguras quanto ao futuro, divide e separa ao invés de unir os sofredores.

O governo pouco contribui para a construção de uma sociedade mais unificada, pois seguem a máxima do dividir para reinar. Eles promovem o desengajamento das massas, que, se tem pequenos conflitos entre si, pouco terão energia para pensar ou se unir para resolver conflitos maiores.
Nesse ínterim, os ídolos são uma espécie de fuga para as pessoas, um divisor de vidas por episódio. Eles vivem o que seria o "sonho de comunidade", afastando a vontade para o plano irreal do glamour. Tudo isso promove ainda mais o desengajamento.

É da natureza dos "direitos humanos" que os direitos individuais tenham que ser obtidos através de uma luta coletiva.
A luta pelo reconhecimento hoje em dia vai muito além do medo de "caras feias", ela atinge um nível muito maior e mais grave pois, aqueles que temem a diferença alheia, promovem os diferentes a diferentes. É o caso das cotas para negros, a privação dos direitos dos homossexuais, as dificuldades da nacionalização dos estrangeiros e de uma política amigável mundial, empregos e lugares específicos para deficientes físicos e um ideal cristão (sobretudo católico e evangélico) num mundo de múltiplas religiões e da não religião.
A sociedade não sabe lidar com as diferenças, pois querem acima de tudo que todos sejam como eles. É o caso da "minoria étnica", rotulados sem o seu consentimento. A sociedade teme que essas pessoas tenham destinos e lealdades divergentes dela, onde haja conflito de interesses, a aprovação vai estar sempre contra os que buscam, afinal, perturbaram a "ordem social" com sua "diferença".

O gueto é separado justamente por sua diferença étnico/social, onde há uma "raça" com o menor poder aquisitivo vivendo em locais distantes da grande maioria. Contudo, isso não faz de um gueto comunidade, pelo contrário, alimenta o ódio dessas pessoas, que vivem em humilhação e sofrimento. A experiência de gueto dissolve a solidariedade e a confiança mútua. O gueto é um laboratório de desintegração social.

A busca por segurança no mundo de hoje (individualizado e privatizado), é uma tarefa árdua que tem que ser realizada cada um por si. Todos buscam uma comunidade que não se afete pelas correntezas da turbulência global. No entanto, a busca por segurança requer um isolamento do resto do mundo, causando desconfiança para quem está do lado de fora dos muros e da cerca elétrica. Essa detenção pessoal elitiza algumas partes da sociedade, em geral aquela que tem dinheiro. Quando se está confinado em segurança, o que está do lado de fora parece assustador, perigoso. É um círculo vicioso, quanto mais segurança se tem, menos liberdade sente.

Como todos somos interdependentes, não podemos ser senhores de nossa própria jornada, sempre haverá um conflito externo a que temos que resolver coletivamente . É neste caso que a comunidade mais faz falta, e é também assim que mais tem chances de se realizar. Se houver comunidade, ela terá de ser obtida com sabedoria, respeito e conhecimento, e isso tudo parece tão longe em tempos como este.

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